Entenda por que “mobile first” virou mantra nas empresas
São Paulo – Existem poucos hábitos que são repetidos pelas pessoas mais do que 150 vezes por dia — tirando os involuntários, como respirar e piscar. Olhar a tela do celular é um deles. Donos de smartphone dão, na média, mais de 150 olhadas na tela num período de 24 horas. Ficam, ao todo, 2 horas e 42 minutos por dia vidrados no aparelho, revela uma pesquisa recentemente feita nos Estados Unidos.
Motivos não faltam: são mensagens no WhatsApp, novidades nas redes sociais, notícias nas versões digitais de revistas e jornais, músicas, dados sobre a previsão do tempo, compromissos na agenda eletrônica, transações bancárias, informações sobre seu time do coração e, sim, ligações feitas e recebidas pelo celular também.
No ano passado, foram realizados 138 bilhões de downloads de aplicativos para smartphones e tablets em todo o mundo — o que dá uma média de quase 20 para cada pessoa. Toda essa obsessão pelas telinhas tem feito as empresas centrar cada vez mais suas energias na criação de aplicativos.
Já existe até uma expressão nas corporações: mobile first (algo como “prioridade aos dispositivos móveis”, numa tradução livre). “As empresas estão correndo para ficar presentes em um ambiente no qual as pessoas já passam boa parte do tempo”, diz Yran Dias, sócio da consultoria McKinsey no Brasil e responsável pela área de inovação.
Nas grandes corporações, é cada vez mais comum haver um setor de desenvolvimento de softwares para smartphones e tablets. Mas cresce também o mercado das empresas que estão se especializando na oferta desse serviço. De acordo com a consultoria britânica VisionMobile, o desenvolvimento de aplicativos para terceiros em todo o mundo deve movimentar 18,5 bilhões de dólares neste ano.
No Brasil, um dos setores mais avançados em termos de lançamentos de aplicativos é o bancário. Nos últimos quatro anos, as operações bancárias feitas pelo celular saíram de quase zero para 12% do total, percentual superior ao das transações realizadas nas agências, que totalizaram 8%.
“Boa parte desse crescimento foi natural. A demanda existia e apenas facilitamos a vida do cliente”, diz Pedro Donati, diretor de canais de atendimento do banco Itaú. Para os bancos, os aplicativos são duplamente atraentes: oferecem comodidade aos clientes e tornam a operação mais rentável.
“O uso dos smartphones reduz os custos para o banco”, explica Antranik Haroutiounian, superintendente de canais digitais do Bradesco. Quanto mais gente usa os meios eletrônicos, menor é o número de pessoas que vão às agências e ligam para os serviços de atendimento pelo telefone.
Ganhos desse tipo também têm acontecido em outros setores. A operadora de telecomunicações Vivo passou a investir no desenvolvimento de aplicativos a partir de 2010. O mais visível deles hoje é o Venda Sustentável, que foi criado com a ideia de eliminar a papelada dos contratos com clientes.
Nas lojas, os funcionários mostram o contrato na tela de um tablet, pedem aos clientes para aprovar o conteúdo e enviam uma cópia por e-mail. Em um ano de operação, cerca de 20 toneladas de papel deixaram de ser impressas. Fora isso, a Vivo teve ganho considerável de produtividade. O tempo médio gasto na assinatura do contrato caiu de 10 minutos para 2 minutos.
A empresa também criou um aplicativo para treinar sua equipe de vendas. Até o fim de 2013, 40% das reuniões de treinamento eram presenciais. Com a implantação do Treinapp, o número caiu para 25%. “Textos podem ser vistos e testes podem ser feitos na tela de celulares e tablets. Além de facilitar a vida dos funcionários, isso nos permite medir quanto eles aprendem com as aulas”, diz Christian Gebara, vice-presidente consumer móvel da Vivo no Brasil.
Qual é o impacto?
Embora haja muitos exemplos de empresas que tenham conseguido melhorar a gestão e cortar custos com softwares para smartphones, não há dados agregados sobre o benefício total dos aplicativos para a economia — nem no Brasil nem em lugar nenhum. “Os consumidores conhecem as vantagens de usar os aplicativos, as empresas têm plena consciência dos ganhos que eles representam, mas os economistas ainda estão tentando medir esse impacto”, diz John Fernald, especialista em produtividade do Federal Reserve, o banco central americano.
A parte mais visível do fenômeno dos aplicativos é a do comércio eletrônico. Em 2014, as transações comerciais efetivadas por celulares e tablets em todo o mundo totalizaram 154 bilhões de dólares, um crescimento de 59% na comparação com o ano anterior, de acordo com estimativas da consultoria Euromonitor. A previsão para este ano é um aumento de 40%.
No Brasil, as grandes varejistas estão atentas à nova onda. No ano passado, compras feitas por celulares e tablets somaram 670 milhões de dólares. Na B2W, por exemplo, dona das lojas online Submarino, Americanas e Shoptime, um terço dos acessos aos sites e 16% das compras foram feitos por meio de smartphones no primeiro trimestre de 2015, mais do que o dobro na comparação com o mesmo período do ano passado.
Diante de um ritmo de crescimento tão frenético, muitos se perguntam qual será o limite para a “appificação” da economia. A resposta depende do poder desses softwares de proporcionar comodidade a consumidores que não largam das telas de seus smartphones e tablets.
Fonte: Exame